quarta-feira, junho 14, 2006



LILITH
Na tradição cabalística, Lilith seria o nome da mulher criada antes de Eva, ao mesmo tempo que Adão, não de uma costela de homem, mas ela também diretamente da terra.
Ela se tornará, como veremos, instigadora de grandes conflitos e amores ilegítimos; a perturbadora de leitos conjugais. Representará, ademais, a mulher desdenhada ou abandonada por causa de outra, os ódios contra a família, o ódio aos casais e filhos.
Evocando a imagem trágica das lâmias da mitologia grega, não pôde integrar-se nos quadros da existência humana referentes as relações interpessoais e comunitárias.
Suas origens longínquas se situam na velha Babilônia, onde os antigos semitas adotaram as crenças de seus predecessores, os sumérios, e está ligada aos grandes mitos da criação.
Laços estreitos a unem à serpente: lembranças de um culto muito antigo que honrava uma Grande Deusa, ou Grande Mãe, ou Grande Serpente - potência cósmica do Eterno Feminino adorada sob o nome de Astartéia, Ishtar, Innana etc.
A palavra suméria lil (vento, ar, tempestade) pode ser entendida no mito como o vento ardente que, segundo a crença popular, punha em febre as mulheres logo após o parto. Lilith foi primitivamente considerada uma das grandes forças hostis da natureza, parte de um grupo de três demônios, um macho e duas fêmeas.
Foi provavelmente durante o cativeiro da Babilônia que os judeus travaram conhecimento com esse demônio, ativo principalmente à noite. Além disso, da raiz indo-européia la (gritar, cantar) deriva o sânscrito lik (lamber) e muitos outros termos relacionados com a boca, os lábios, a língua. Lilith devora os filhos, e seus lábios e boca são sempre enfatizados nas obras literárias posteriores.
Também há uma ligação com a palavra grega law, que é relacionada com lux (latim), light (inglês), licht (alemão), dando uma idéia de luz, ou ver com uma visão penetrante, ver à noite, libertar-se da obscuridade. Não é à toa que certos textos fazem Lilith intervir numa estranha busca iniciativa conduzida pelo herói.
Uma das mais famosas figuras do folclore hebreu, Lilith faz, assim, parte de um grupo de espíritos malignos identificados com a noite.
Foi mencionada pela primeira vez no Gilgamesh, épico babilônico de 2000 a. C., aproximadamente.
Ora representada como uma prostituta de seios secos, que não podia ter filhos; ora como uma linda jovem com pés de coruja, o que identificava sua vida noctívaga. É uma ninfa vampiro da curiosidade, que a seu bel-prazer arranca ou recoloca os olhos, e a que dá aos filhos do homem o leite venenoso dos sonhos. Conhecida também como Lua Negra, é comparada à sombra do inconsciente, aos impulsos obscuros. Devora os recém-nascidos, devorada ela própria pelo ciúme.
No Talmude, século 6 a. C., mesmo pouco havendo sobre ela, aparece como a primeira mulher de Adão.
Conta-se que, feita do mesmo barro que moldou Adão, não se deixou subjugar por ele durante o primeiro intercurso sexual, levando-o a se sentir repelido e desejoso de outro tipo de companheira. Lilith queria fazer valer seus direitos de ser também uma criatura de Deus. E apresentava sua opinião e sua palavra como tão importantes quanto as de Adão.
Ficando a situação insustentável, dizem que fugiu para o Mar Vermelho, o lar dos espíritos malignos. Teve muitos filhos, chamados lilin. Deus enviou três de seus anjos - Senoy, Sansenoy e Semangelof - mas Lilith se recusou a voltar se fosse para continuar a situação anterior. A fuga, então, converteu-se em expulsão.
Passou a ser considerada um vampiro, pois tinha poderes sobre os bebês e os homens que dormem sozinhos. Para escapar de sua maldição, as mulheres grávidas protegem suas crianças mesmo antes do parto com uma medalha gravada com os nomes dos três anjos do Senhor.
No Zohar, o mais influente texto hassídico (de seita religiosa de tendência carismática fundada pelo rabino Israel Baal Shem-Tov no séc. XVIII, e que se caracteriza pela alegria em servir a Deus, com danças e cantos), aparecendo como succubus, acreditava-se que Lilith estava junto às crianças que riam dormindo e daí o perigo de morrerem em suas mãos.
Durante a Idade Média suas histórias se multiplicaram. Era identificada, por exemplo, como uma das duas mulheres que foram ao rei Salomão para que ele decidisse qual das duas era a mãe verdadeira da criança que ambas reivindicavam.
Uma forte crença em sua presença foi encontrada entre os elementos mais conservadores da comunidade judaica do século XIX.
Chamada por muitos de Rainha do Mal e Mãe dos Espíritos Malignos, Lilith é representante de um ser que aparece na maioria das culturas. As mais antigas, além dela mesma, incluem a lâmia grega, a langsuyar malaia e também a loogaroo, a sukuyan e a asema, vampiras da área do Caribe.
Cada uma dessas figuras vampíricas aponta para a origem do vampirismo como um mito explicando os problemas ocorridos no parto. A história da langsuyar, por exemplo, conta sobre uma mulher que dá à luz uma criança morta. Perturbada, voava para as árvores e vez por outra se tornava a praga das mulheres grávidas e de suas crianças.
Cada uma, entretanto, evoluiu de forma diferente e, em algum ponto, assumiram as características de uma linda e sedutora jovem que atraía os homens para sugar-lhes a vida. Moravam incógnitas nas comunidades levando uma vida aparentemente normal durante o dia, mas operando como vampiras à noite.
Um dos relatos mais famosos de uma lâmia é o de Philostratus, em seu The life of Apollonius. Na história, Menipo de Gadara (filósofo e satirista do séc. III a.C.), um dos discípulos de Apolônio, é atraído ao casamento por uma linda e rica jovem, mas salvo pelo sábio mestre, escapou na verdade de uma verdadeira vampira.
À medida que a história do vampiro se tornava mais relacionada ao fenômeno da morte de um ente querido, ao contrário de estar simplesmente associada aos problemas de parto ou aos problemas de homens errantes, prontos para serem seduzidos, e ao lado das modificações das sociedades que passavam de matriarcais para patriarcais, a vampira deu lugar à figura do vampiro masculino.
Além de mencionada no Antigo Testamento, outro texto fundador onde aparece o mito é a Cabala, por volta de 1600, onde vemos Lilith unir-se a Sammael.
A literatura interessa-se sobretudo por Lilith revoltada, que, na afirmação de seu direito à liberdade e ao prazer, à igualdade em relação ao homem, perderia a si própria, assim como perde aqueles que encontra.
O mito de Lilith tem por função afastar dela os homens, alertando-os do perigo que representa para eles. Sua função principal, contudo, seria alertar as mulheres: aquela que não segue a lei de Adão será rejeitada, eternamente insatisfeita e fonte de infelicidade. Dessa maneira, rejeitada pela sociedade dos homens, deseja fazer-se conhecer, se necessário for, pelo avesso, ou seja, pelo mal que lhes faz.
A confusão de Lilith com Ísis, adorada como Grande Mãe que cura e salva, e com outros mitos de ambivalência benéfica-maléfica, faz lembrar que seus efeitos sobre a vida humana dependem em grande parte da perspectiva em que os homens a inscrevem. E do olhar com que a encaram.
Lilith nos lembra eternamente que as forças do mal respondem às forças da vida, e que tudo se equilibra - dia e noite, trevas e luz, masculino e feminino.
Lilith nos diz, ainda, que há sempre algo a descobrir, com resultados benéficos, em qualquer parte da criação.

Bibliografia:O LIVRO DOS VAMPIROS de J. Gordon MeltonDICIONÁRIO DE SÍMBOLOS de J. Chevalier e A. GheerbrantDICIONÁRIO DE MITOS LITERÁRIOS de Pierre Brunel (org.)ENCICLOPÉDIA DE LAS COSAS QUE NUNCA EXISTIROM de M. Page e R. Ingpen

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